Postagens

Que lógica há?

A despeito do aquecimento global, batem os primeiros ventos outonais. Com esforço dá pra sentir um fresquinho de manhã cedo. Nada que nos remeta há quatro décadas atrás, quando fumar era charmoso, cortar árvore era solução, linha telefônica era luxo e um item essencial ao vestuário de toda a criança nascida na região sul do país era o passa-montanha. Um gorro que tapava cabeça e pescoço, deixando de fora só o rosto com as bochechas e o nariz assados pelo frio e pelo papel higiênico lixa que fazia a colheita de ranho de abril à outubro. Eu sou entusiasta do frio! Consciente de que vivo em um país com um abismo social, reconheço meu egoísmo e desenvolvo sentimentos dúbios em relação a essa minha predileção. Sentada na poltrona de todos os meus privilégios me encanta o vinho, a lareira, não suar feito uma porca prenha. A moda no frio me fascina, ainda mais no home office que ninguém vê minhas havaianas com meia. Adoro casacos, gorros, lenços, mantas. Acho lindo o clássico. A roupa vai

Meritocracia à flor da pele

  Meritocracia é uma palavra formada pelo prefixo latino mereo que significa ser digno, merecer e pelo sufixo kratos originário do grego que denota poder, força. Ou seja, é um termo que estabelece relação direta entre mérito e poder, poderíamos dizer que se relaciona com o alcance do poder através do merecimento.   De forma sucinta a ideologia meritocrática fundamenta-se na velha máxima de que se você se dedicar ao máximo chegará ao topo. No entanto, quem vive a vida real sabe que na prática a banda toca em outro tom. Nós, seres humanos minimamente evoluídos, levemente sensíveis, já descobrimos que entre merecer e alcançar há uma série de camadas obscuras e que no raso, bem no raso o mundo é injusto, desigual. Dentro da sociedade capitalista o que vale é o dinheiro e em outras formas de organização sociais até agora só se provou que influência vale muito mais que qualquer merecimento ou capacidade. Infelizmente, somos rodeados de iludidos que acreditam de fato na correlação fantasi

Yin e Yang

  Depois de uma baixa na população de pets da casa no final do ano passado, resolvi adotar uma nova gata. Meu marido deixou bem claro que não via necessidade nenhuma em termos outro bicho de estimação, mas foi voto vencido. Talvez, não considerado. Eu considero gatos quase como seguranças pessoais, dada a minha fobia de ratos (eca!). Demorei um pouco para encontrar a gatinha. Decidimos que pegaríamos uma fêmea, preta, filhote recém desmamada (pra ser mais fácil a inserção na comunidade familiar). Depois de um tempo a gata de uma conhecida deu cria e lá estava nossa filhote que já tinha até nome: Bonbon, afinal já temos a Petit Gateau e é necessário manter coerência nos nomes dos pets. A ideia era buscar ela quando desmamasse, com 45/60 dias, em uma comunidade na periferia da cidade. Quando Bonbon completou 30 dias, nos pediram para buscá-la, porque a mãe gata havia sido atropelada, passava bem, mas sem condições de amamentar. Lá fomos, eu e as crianças, em busca da nossa gata. Chegan

Tudo filho de chocadeira

  Estou chegando à conclusão que pai e mãe de crianças em idade escolar estão entre os seres mais hipócritas da sociedade contemporânea. São mais de 10 anos com filhotas lindas frequentando a escola e quanto mais eu convivo com agremiação de pais mais eu reforço minha teoria. Não vou nem entrar no mérito do grupo de whatsapp parental, porque isso merece um texto específico, vamos apenas falar sobre o contato presencial. Todo início de ano letivo as professoras fazem aquela já tradicional reunião com as famílias. Falam sobre o projeto pedagógico, alertam sobre bullying, alimentação saudável, cuidados ao levar e buscar as crianças (isso inclui não parar em fila dupla na porta da escola) e fica todo mundo com cara de samambaia surpresa. Considerando a expressão facial daquele grupo de adultos eu me arriscaria dizer que ninguém manda energético e barra de chocolate na lancheira, todo mundo acha bullying um absurdo, não há nenhum mal motorista, só vegetais chocados com o comportamento das

Nunca acaba

  Uma onda de calor assenta sobre a cidade e minha cabeça. Porto Alegre, também conhecida como Forno Alegre, que sim é um forno no verão, alegre eu diria que já foi mais. Eu que não vim na vida perder tempo decidi honrar com o compromisso de levar minha filha mais moça na consulta com oftalmologista que já tava marcada há tempos. Ok, eu até perco bastante tempo, mas conseguir consulta com oftalmologista pediátrico está entre os maiores desafios da maternidade. O consultório ficava no centro da cidade. Como às vezes trabalho por lá, peguei aquela coisa fofa que chamo de filha e levei para passar o dia sentindo muito calor. Caminhando, porque no centro não vale a pena andar de carro, até o horário da consulta. Paramos o carro umas quatro quadras do prédio que era nosso primeiro destino. Além de trabalhar, eu ainda precisava buscar um negócio pro meu marido, levei ela pra almoçar e fomos a um museu. Fiz aquelas coxinhas roliças de seis anos caminharem, destilarem. Aquelas bochechinhas p

Gratidão

  De tempos em tempos surgem modismos linguísticos. Não são gírias, palavras inventadas ou com conotações diferentes, são simplesmente palavras que já estavam por aí circulando, mas que por algum motivo qualquer passam a ser usadas à exaustão. Não necessariamente de forma correta. Não necessariamente com discernimento de quem as profere. Às vezes elas são originárias da língua portuguesa, às vezes são surrupiadas do inglês. É praticamente um rebrand (rebrand tá na moda) de algo que já existia. Já tivemos o momento histórico do famigerado pleonasmo "um plus a mais". De uns tempos pra cá todo mundo precisa ter nichos em casa pra colocar seus badulaques. Tem moda pra tudo, pra roupa, pra comida (quem ainda lembra do mamão cassis), porque não teria na linguagem? Podia não ter, mas tem.   Nesse momento eu escrevo e cerro meus lábios num semi sorriso tentando fingir que lido bem com isso. Recentemente na tendência yoga de vida entrou na moda o "gratidão". Eu como uma

Caminho sinuoso

  Na vida um dia a gente é jovem e no outro tá falando: Olha que maluco o barulho que faz o meu joelho! E assim acende a luz no cérebro indicando que o equipamento tá ficando deteriorado pelo uso (ou mau uso). A lataria pode tá bem conservada, sem maiores avarias, aquela carinha de 42 com 43, mas não adianta, o material interno começa a dar sinais de desgaste. Vamos e venhamos, o corpinho foi concebido antes da internet, naquela época que o telefone era de discar e a tv era de tubo (quando eu falo dessas coisas minhas filhas me imaginam nascendo em uma caverna).   Quando o joelho passa a ter som é natural bater uma bad, afinal a gente vem ao mundo pronto para trilhar um caminho, não pra medir o quanto andou e o quanto ainda tem pra andar, até porque o objetivo utópico é justamente não chegar ao fim do percurso. Além do mais vivemos em uma sociedade que gosta muito de enaltecer a arrancada e não a beleza que há na caminhada sinuosa. O meu joelho começou a fazer um barulho estranho em